“Em 1537 alguns marinheiros portugueses praticaram um crime, então classificado como
um "grande gaffe diplomática". Em frente de Diu recebeu-se o Sultão Bahadur Xá a
bordo de uma nau portuguesa.
As conversações diplomáticas deram para o torto e o Sultão
e sua comitiva resolveram retirar-se zangados.
Alguns marinheiros portugueses, indisciplinados,
dificultaram-lhes a entrada no batel, chegando ao ponto de dar com um remo, fortemente,
na cabeça do Sultão, tendo este morrido afogado. A acção vergonhosa causou um grito
de vingança desde os reinos mulçumanos do Golfo de Cambaia até ao Egipto e Constantinopla.
A viúva do Sultão ofereceu toda a sua fortuna para financiar uma expedição punitiva
contra os portugueses. A fortaleza de Diu estava a ser defendida por 600 portugueses,
comandados por António da Silveira. O Sultão de Cambaia e o turco Suleimão Paxá reuniram
as suas forças, conseguindo cercar Diu com 70 galés turcas um exército de terra de
23.000 homens. Tendo já feito prisioneiros alguns portugueses, enviou por um deles
uma carta a António da Silveira.
Temos de saber que Suleimão Paxá não era tido em
boa conta pelos portugueses. Tratava-se de um eunuco que, através de uma revolução
palaciana, com o levantamento geral dos eunucos, conseguiu degolar a família real,
usurpando o respectivo trono e poder.
Quanto António da Silveira recebeu a carta do
turco, virou-se para os seus companheiros dizendo: «Vejamos o que diz o perro do
capado!» e leua a carta em público. Suleimão Paxá prometia aos portugueses livre
saída de pessoas e bens desde que fossem para a costa de Malabar e entregassem a
fortaleza e as armas. Prometia esfolar todos vivos se não o fizessem e glorificava-se
de ter reunido o maior exército em Cambaia, tendo muita gente que tomara Belgrado,
Hungria e a ilha de Rodes. Perguntava mesmo a António da Silveira como se iria defender
num "curral com tão pouco gado"!
António da Silveira mandou vir papel e Tinta e, estando
todos presentes, enviou-lhe a seguinte resposta: «Muito honrado capitão Paxá, bem
vi as palavras da tua carta. Se em Rodes tivessem estado os cavaleiros que estão
aqui neste curral podes crer que não a terias tomado. Fica a saber que aqui estão
portugueses acostumados a matar muitos mouros e têm por capitão António Silveira,
que tem um par de tomates mais fortes que as balas dos teus canhões e que todos os
portugueses aqui têm tomates e não temem quem os não tenha!»
Não se pode imaginar
insulto maior! Narra-no Gaspar Correia que o capado, quando recebeu esta resposta,
mandou logo matar alguns portugueses, feridos, que estavam na sua posse e começou
um luta de gigantes. Durante mais de um mês António da Silveira fez-lhe frente, ficando
os portugueses capazes de lutar reduzidos a menos de quarenta, mas causando tais
baixas aos turcos que estes resolveram levantar o cerco a Diu e retirar-se
(Gaspar
Correia: Cronica dos Feytos da Índica, vol. IV, p.34-36)
“Garcia de Sá enviou, em 1519, uma nau comandada por Manuel Pacheco para impor aos
Reis de Pacem e Achem o cumprimento do que estava estabelecido por cntrato. Quando
faltou a água à grande nai portuguesa, foi enviado um batel para fazer o reabastecimento.
A pequena embarcação era tripulada por cinco portugueses, António de Vera, do Porto,
António Peçanha, de Alenquer, Francisco Gramaxo, João Almeida de Quintela e um barbeiro
de bordo, sendo remada por escravos malaios.
Já longe da sua nau e perto de terra,
foram surpreendidos por um capitão do Rei de Pacem, comandando três navios de 150
homens cada. Os mulçulmanos viram ali uma boa oportunidade para rapidamente alcançarem
a glória de prender ou matar cinco portugueses! Reconhecendo os cinco o perigo em
que estavam, e não o podendo evitar, resolveram então abordar o navio comandante,
subindo para bordo aos gritos de "Santiago", com as suas espadas na mão direita e
as adagas na esquerda. Os mouros, que estavam convencidos de que os cinco se entregariam
sem resistência, não podendo contar com nenhum apoio dos seus escravos remadores
(perante a óbvia superioridade muçulmana), ficaram perplexos com o calente combate
que então se desenrolou.
Couberam trinta adversários mouros a cada um dos portugueses,
que os atacaram com uma ferocidade de quem já se considera perdido, querendo ao menos
levar consigo o maior número possível de adversários! Quando os mouros começaram
a cair mortos e se ouviram os gritos dos decepados, feridos e moribundos, os outros,
aterrorizados, atiraram-se ao mar. Perante esta demonstração de falta de coragem
dos seus próprios homens, o capitão mouro virou-se com a sua cimitarra contra os
seus soldados que saltavam para a água. O capitão envolveu-se em luta com os seus
homens, que já não lhe obedeciam, acabando por cair também ao mar, onde ainda utilizou
a sua cimitarra para dar cutiladas aos seus, até acabar por se afogar.
Os cinco portugueses
ficaram donos do barco mouro, perante os olhos estupefactos das tripulações das outras
duas embarcações. Estas, perdendo o seu capitão-geral, mostraram as popas, acabando
por se irem embora sem dar mais luta. De certo não se tinham dado conta de que os
nossos cinco, exaustos da luta e com muitas feridas cada um deles, acabaram por cair
e até desmaiar. Os seus escravos remadores malaios vieram então a bordo para os ajudar;
navegaram com o batel rebocado pela embarcação muçulmana conquistada, de volta, em
direcção à nau. Tratados pelos médicos de bordo, tornaram-se os heróis do dia, facto
também reconhecido pelo Reio de Pacem que, perante tal actuação de tão poucos, veio
oferecer a paz e a satisfação de todos os danos, conforme o Vice-Rei lhe tinha proposto.
A acção destes cinco impediu asssim grandes batalhas, com enormes perdas para ambas
as partes.
(Manuel Faria e Sousa: Ásia Portuguesa, tomo I, part. III, cap. III, p.
189)”